O incêndio que deflagrou em Odemira no início do mês de agosto terá consumido 8.400 hectares de mato e floresta, e deixou um rasto de destruição.
“Foram momentos muito difíceis, havia fogo em todas as frentes”, lembra pesarosa Cláudia Candeias, presidente da Associação Arco do Tempo, que gere a Reserva de Burros nesta região assolada pelo incêndio, que teve início no dia 5 de agosto e durou 5 dias. Houve, ainda, um reacendimento no dia 13 que foi dominado no mesmo dia.
“Foi terrível, saímos da Reserva com os burros, caminhamos por cerca de 4 quilómetros até ao parque de campismo de S. Miguel. Ouviam-se garrafas de gás a explodir, havia muito fumo, estávamos receosos por causa dos animais uma vez que era muito difícil respirar”, relata Cláudia Candeias.
Um longo caminho a trilhar?
Os incêndios florestais não são um fenómeno novo em Portugal. Contudo, desde a década de 70 do século XX, com a profunda transformação verificada no país com o abandono rural e o despovoamento do interior, foram aumentando em frequência, dimensão e intensidade. Face a esta realidade, urge reforçar a aposta estratégica na prevenção, alavancada na educação, valorização do espaço rural, na gestão florestal e no ordenamento do território. “Falta ainda um longo caminho de sensibilização aos proprietários na questão de gestão de combustíveis (vegetação), bem como a necessidade de intervenção estratégica nos mosaicos paisagísticos”, confessa Raquel Silva, Vereadora da Câmara Municipal de Odemira.
A violência e a extensão dos incêndios florestais nestes últimos anos têm destruído milhares de hectares de floresta. “É necessário valorizar o território rural para que quem lá vive, e para quem quer ir para lá viver, consiga tirar dividendos dos produtos provenientes de uma gestão agrícola e florestal. Esta gestão variada poderá quebrar a grande continuidade de vegetação devido ao abandono rural.
Desta forma criamos oportunidades para o comportamento do incêndio, possa diminuir os seus impactos negativos, permitindo aos corpos de bombeiros e sapadores apagar os incêndios em maior segurança”, refere Conceição Colaço, investigadora do CEABN do Instituto Superior de Agronomia, voluntária ASPEA.
“É imprescindível que os agentes de proteção civil articulem ações educativas por forma a que as comunidades reconheçam a importância da preservação das florestas, ecossistemas naturais e biodiversidade, no sentido de uma consciencialização para as necessidades ecológicas que a nossa sociedade precisa”, acrescenta a Vereadora Raquel Silva.
Os incêndios contribuem ainda para a emissão de CO2 para a atmosfera (cerca de 10% a 30% por ano). Por outro lado, havendo menos área florestal, o CO2 não é removido pelas plantas, não ficando desse modo retido nas plantas e no solo.
Raquel Silva, Vereadora da Câmara Municipal de Odemira explica que agora, “as associações podem e devem ajudar na reflorestação, considerando a experiência e o conhecimento especializado dos seus voluntários, serão sempre uma mais-valia nos programas de reflorestação, bem como de reorganização do território no que concerne aos mosaicos paisagísticos. As associações locais que se disponibilizaram têm sido envolvidas no processo desde o início e o Município de Odemira encontra-se totalmente disponível nesse sentido”.
Educação Ambiental como prevenção
Tradicionalmente, a Educação Ambiental teve o foco nos comportamentos de risco salientando a necessidade de não fazer queimadas, não fumar, não fazer fogueiras, não deitar lixo na floresta, entre outras mensagens chave. Contudo, apesar de todas estas ações poderem iniciar incêndios, estes só começam se a vegetação estiver muito seca o que depende totalmente da meteorologia. Assim, devemos dar o salto e aumentar a literacia sobre a meteorologia e os seus efeitos na vegetação, pois é a condição de secura em que esta se encontra, associada à falta de limpeza dos terrenos, que leva a que os inícios de incêndios possam vir a dar lugar às vastas áreas ardidas com grandes impactos na nossa sociedade e nos ecossistemas, explica Conceição Colaço.
Reconhecer os sinais que a meteorologia nos oferece (falta de humidade, temperatura e vento), compreender os alertas de risco a nível nacional, e perceber o estado em que se encontra a vegetação permite reduzir os incêndios que comecem com a utilização de maquinaria, fogueiras, churrascos e outras utilizações do fogo. O trabalho educativo deve ser realizado antes dos “meses de verão”, mas não nos podemos esquecer que a secura e vento, mesmo no inverno ou primavera podem dar lugar a incêndios, acrescenta Conceição Colaço.
A par com isto é importante que se dê a “conhecer a floresta portuguesa, tanto a autóctone como as plantações, com uma visão holística dos seus benefícios tanto ambientais, como sociais e económicos. Numa população maioritariamente urbana, a Educação Ambiental tem o papel crucial de dar a conhecer as necessidades do mundo rural e as suas práticas. O consumo de produtos provenientes de atividades que promovem a gestão da vegetação é algo que deve ser promovido no campo da Educação Ambiental. Por exemplo, o produtor de gado caprino, ovino e bovino de forma extensiva, promove a gestão da vegetação reduzindo o risco de incêndio. Desta forma, comprar carne destas explorações, iogurte, queijo, requeijão, ajuda o produtor a manter uma atividade que gere a vegetação num território cada vez mais despovoado”, remata a investigadora.
Arco do tempo apela à solidariedade para a reconstrução
A associação Arco do Tempo tem a sua sede numa escola antiga em Vale d’Alhinhos, cedida pela Câmara Municipal de Odemira, no distrito de Beja. As chamas não atingiram o edifício, mas destruíram um anexo onde a associação guardava todo o material. A Associação apela, agora, a ajuda de todos para começar a recuperar a propriedade. Nas suas redes sociais é possível consultar o que fazer para ajudar a Associação.
A Associação Arco do Tempo, uma associação cultural, recreativa, comunitária, de carisma social e sem fins lucrativos, além de ter a reserva dos burros, promove atividades em escolas, lares de idosos e no estabelecimento prisional de Odemira.
Papel da ASPEA
A ASPEA – Associação Portuguesa de Educação Ambiental é um dos parceiros do projeto Meet Your Forest – New uses and innovative management of forest, um projeto europeu cofinanciado pelo programa ERASMUS +, inserido no sector KA220 – Parcerias Estratégicas, e que visa capacitar o público adulto e, em particular, os proprietários florestais e as entidades ligadas à floresta para um esforço de revalorização ambiental e de lazer das florestas e para a modernização tecnológica do respetivo setor. A duração é de dois anos, com início em novembro de 2021 e término em outubro de 2023, disponibilizando um conjunto de recursos de apoio a pequenos gestores florestais, disponíveis gratuitamente nos canais de comunicação da ASPEA, como refere a gestora do projeto Anabela Pereira.
No espaço de recursos disponível no site da ASPEA, poderá ser encontrado um guia multimédia sobre as boas práticas e medidas de gestão presentes em cada país do consórcio e sobre os usos inovadores das florestas e as novas medidas de valorização e de gestão. Será, também, disponibilizada a criação de uma plataforma on line de todos os recursos pedagógicos desenvolvidos ao longo do projeto – galeria de fotos e vídeos, newsletter, notícias, atividades, um mapa georreferenciado e o e-book.
A parceria estabelece-se entre organizações com competências tecnológicas, experimentais e educativas, que se fazem representar pelo Município de Salceda de Caselas (Galiza-Espanha), pela Atin Services ,(Galiza-Espanha) e uma empresa perita em assessoria, tecnologia e investigação, pela Universidade de Vigo, pela Escola Superior de Agricultura e Desenvolvimento Rural da Noruega, pela Universidade de Ciências Aplicadas da Finlândia e pela ASPEA.
Joaquim Ramos Pinto, presidente da ASPEA, reforça que o projeto pretende alertar para a necessidade de se ajustar a gestão das florestas às novas demandas atuais de produtos lenhosos e às rápidas alterações climáticas da era do Antropoceno. Desta forma realça a necessidade de se aumentar os conhecimentos dos proprietários florestais, em particular, e da sociedade, em geral, sobre as diversas abordagens e usos da floresta com vista à sua modernização tecnológica e revalorização ambiental e de lazer.
Outros programas de voluntariado ambiental são promovidos pela ASPEA, em parceria com outras entidades, e que poderão contribuir para a aproximação das pessoas à floresta e apoiar em ações de limpeza, manutenção e vigilância de áreas florestais. Um desses exemplos é o programa PLANTABOSQUES em parceria com a associação ADENEX, de Espanha.
Sílvia Gomes
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